Victor Rui Dores desenvolve, há 33 anos, um trabalho de levantamento das variantes dialectais dos Açores. Só na ilha do Pico identificou 47 variantes. O contacto directo com as pessoas é fundamental para a pesquisa. "Tôdolos" (todos; Graciosa); "asinha, asinha" (depressa, Flores); "malmaridada" (mal amada, Pico). Estas são algumas das expressões arcaicas que ainda hoje são utilizadas nas ilhas dos Açores e que estão a ser alvo de um estudo de investigação desenvolvido pelo escritor e professor Victor Rui Dores.
Em declarações a este jornal, o também encenador explica que o seu interesse pelas variantes dialectais açorianas começou na universidade, em 1977, quando foi estudar para a Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. "Na disciplina de Teoria da Literatura tive como professor o incontornável Mário Dionísio, que me marcou bastante. Quando demos Fonética, foi ele que me propôs que eu fizesse um trabalho de pesquisa sobre as variantes dialectais dos Açores. Iniciei então o trabalho circunscrevendo-me apenas às ilhas do Grupo Central. Mais tarde, alarguei o âmbito do meu estudo às restantes ilhas", conta o professor que desenvolve este trabalho há 33 anos.
O estudo de Victor Rui Dores contempla as nove ilhas dos Açores, "mas ainda não está concluído, pois falta-me estudar, com maior profundidade, a ilha de Santa Maria. Para dar uma ideia da complexidade (e morosidade) deste trabalho, lembro-lhe que só na ilha do Pico recolhi 47 variantes dialectais".
Para realizar o seu trabalho de pesquisa Victor Rui dores recorre essencialmente a contactos directos com as pessoas. "As minhas fontes resultam das centenas de entrevistas que, em três décadas, tenho vindo a fazer com falantes (idosos e menos idosos) das nove ilhas açorianas. E , obviamente, resultam também dos meus conhecimentos de Fonética, que me permitem caracterizar e sistematizar as particula- ridades fonéticas, morfológicas e sintácticas dos falares açorianos. Sei que estou a pisar terreno pouco lavrado. Aliás, nesta matéria, só (re)conheço, como válidos, os trabalhos dos linguistas João Saramago ('Atlas Linguístico') e Maria Clara Rolão Bernardo ('O falar micaelense'), que fazem abordagens diferentes das minhas", explica.
Quando questionado sobre o interesse que as pessoas manifestam por todo o seu trabalho de investigação, o docente afirma que nas ilhas, no Continente português e nas comunidades da diáspora tem feito largas dezenas de palestras, workshops e conferências sobre os traços linguísticos que individualizam os falares de cada ilha. "E o que verifico é que as pessoas, em tempo de massificação e de globalização, manifestam um crescente interesse em perceberem as suas raízes, o seu imaginário, a sua memória, a sua história e a sua cultura."
Último reduto do medievalismo português
"Os Açores mantêm a expressão arcaica, quer nos termos utilizados, quer na fonia dominante", explica Victor Rui Dores, quando questionado sobre os exemplos de expressões que encontrou nas ilhas açorianas. "Por exemplo, entrevistei uma idosa da freguesia do Guadalupe (Graciosa) que ainda hoje diz 'tôdolos' e 'tôdolas', em vez de 'todos' e 'todas' - à boa maneira das crónicas de Fernão Lopes. Na ilha das Flores ouvi da boca de uma velhota a expressão 'asinha, asinha' (depressa) e, no Pico, um idoso disse-me que determinada mulher estava 'malmaridada' (mal casada, mal amada); nalgumas ilhas ainda hoje se diz: 'estar a rever' (suar), ou 'andar no retoiço' (no bem bom) - expressões que se encontram nas comédias de Gil Vicente, escritas há quase 500 anos. Aliás, convirá lembrar que os Açores constituem, nos tempos que correm, um dos últimos redutos do medievalismo português e europeu."
Expresso das Nove
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